Presidência da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil



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Mateus 5.13-16 - 180 anos da imigração alemã

Prédica em culto comemorativo peios180 anos da imigração alemã e da Comunidade. Nova Friburgo/RJ, 2/5/2004.

02/05/2004

Caros irmãos e irmãs em Cristo!

Muito se tem dito, ouvido e visto nesses dias acerca dos 180 anos de imigração suíço-alemã a Nova Friburgo e a nosso país. Sem dúvida é justa a celebração, como o é o reconhecimento pelo que fizeram nossos antepassados. Com razão são destacadas a diligência e a operosidade, bem como a dedicação ao trabalho, pelo qual os imigrantes e suas famílias construíram um novo lar e uma nova comunidade, mesmo diante da frustração de experimentarem, em larga escala, o não-cumprimento de promessas governamentais. Justo realce é dado à ênfase na família e na escola, esta construída com seus parcos recursos humanos e financeiros. Entre os imigrantes do século XIX houve católicos e evangélicos. Assim, entre os legados daqueles imigrantes também está o da fé evangélica, protestante, o que nos meios de comunicação tem sido enfatizado apenas em muito menor medida. É como se fosse uma luz oculta, talvez um sal apenas indiretamente perceptível pelo sabor que dá ao alimento... 

De outra parte, pode-se observar como a imigração é hoje vista, de um modo geral, como um acontecimento positivo para a sociedade brasileira. Bem diferente daquela experiência que tive como criança — uma de minhas recordações remotas mais marcantes —, quando um amigo adulto de nossa família, com quem eu passeava pela cidade, me advertiu de que não falasse alemão na rua. Aquela criança se perguntou intimamente que poderia haver de errado com a língua com a qual se comunicava com sua mãe e seu pai. 

Tampouco se pode deixar de perceber que a imagem da imigração assume, de público, matizes bastante parcializados. Há toda uma aura romântica em torno dos imigrantes, vistos quase como heróis. (Isso quando não se divulga ao país inteiro uma imagem pitoresca, sim, exótica, praticamente exclusiva de trajes, culinária, música e linguajar de seus descendentes, com seu sotaque característico.) Deixa-se para segundo plano que se tratava de agricultores empobrecidos em sua pátria-mãe, cujas condições sociais já lhes negavam a possibilidade de uma subsistência digna. Havia também artesãos, com menos e menos chances de competir na nova fase de industrialização europeia. Havia soldados, contratados para novas missões em terras longínquas. E havia também detentos, aos quais foi oferecida a liberdade, desde que o fosse em além-mar. Esquecidas são as condições sociais da nova pátria, o Brasil, que queria ocupar no extremo sul terras disputadas aos países platinas; que desejava incrementar a produção de alimentos para a nova nação independente, que pretendia branquear a população, atemorizado que estava o governo com a maioria negra que poderia se sublevar, como já o fizera com sucesso no Haiti. Esquecido também o fato de que aos imigrantes foram concedidas glebas de terra já ocupadas por indígenas ou deles tomadas. 

Sem dúvida, não podemos culpar aqueles imigrantes por essas condições, já que eram eles mesmos muito mais vítimas delas do que seus protagonistas. Seja como for, foi em meio a essas condições adversas que construíram seu futuro e deram sua contribuição para o desenvolvimento econômico e social deste estado e de nosso país. Foi aí também que constituíram suas comunidades eclesiais e preservaram sua fé evangélica, ainda que sua formação fosse muitas vezes apenas elementar e tivessem que organizar sua escola e igreja, quem sabe por décadas sem o concurso de pastores e professores formados. Mais tarde, bem mais tarde, se constituiu no país a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).

O texto bíblico que nos orienta neste momento, é uma palavra de Jesus do Sermão do Monte, classificando seus discípulos de sal da terra e luz do mundo. Trata-se, antes de tudo, de uma promessa, como o são as bem-aventuranças que lhe antecedem. Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo. Apesar da precariedade das condições em que vocês vivem, apesar dos poucos recursos e da formação deficiente, apesar talvez até mesmo da pequena fé, vós sois sal, luz. Nada que é feito na Igreja tem sentido, a não ser pela promessa de Deus, que, contudo, é proferida gratuitamente. A construção da Igreja pode envolver muitos esforços humanos, mas não depende de nenhum deles. É a palavra de Deus que a cria, nutre e sustenta — e o faz, gratuitamente, sem condições. É essa convicção que a confissão luterana tem expressado através dos tempos. E será também essa palavra que nos dará — assim cremos e por isso intercedemos — uma continuidade de trajetória de serviço ao nosso povo, neste país. A fim de que nossa luz brilhe diante das demais pessoas e a fim de que estas glorifiquem nosso Pai nos céus. 

Como dito, este milagre envolve empreendimentos humanos, mas depende de que Deus os abençoe. Por isso mesmo, a palavra bíblica também insere uma advertência, uma admoestação. Se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar sabor? Deverá ser lançado fora, para ser pisoteado. Ou seja: a promessa de Deus está em pleno vigor, mas nós poderíamos pôr tudo a perder. É verdade, seria algo tão absurdo como na escuridão acender uma vela e colocá-la debaixo da mesa, quando se quer alumiar toda a sala. Estranhamente, porém, na vida da Igreja isso acontece. O tesouro mais precioso é enterrado, e deixa de ser usado. 

Talvez, talvez a história de nossas comunidades, nossas congregações, revele algo intermediário — e isso até os dias de hoje: não chegamos a colocar a vela acesa debaixo da cama. Colocamos a vela na sala, sim, e mesmo com poucos recursos humanos e financeiros, como foi o caso daquelas famílias de imigrantes por décadas. Construímos um lar espiritual, preservando a fé, transmitindo a palavra a todas as pessoas que se encontrassem ou viessem a fazer parte de nossa casa. Contudo, não permitimos — e essa é a nossa confissão não permitimos que nossa luz brilhasse mais intensamente, também fora de nosso lar, diante das pessoas que vivem ou perambulam fora dele. Assim impedimos que viessem a glorificar o Pai nos céus. Isto é, que viessem a glorificar o Pai nos céus por nossas obras, porque também podem glorificar o Pai nos céus por obras de outros seguidores de Cristo. 

Toda celebração, quando efetuada em espírito evangélico, ocorre sempre em gratidão, mas igualmente sempre em contrição e arrependimento. Somos gratos pelos nossos antepassados que por sua vida e testemunho nos legaram a fé e a esperança. Contudo, também reconhecemos: muitas vezes nos fechamos em nosso próprio lar, hesitando em abrir generosamente nossas janelas para outras visões e nossas portas para outros hóspedes. Ainda devemos crescer na plena consciência de sermos uma igreja no Brasil, com todas as suas implicações culturais, étnicas, políticas e sociais. 

Estou falando figurado. Vocês entendem. Quaisquer que tenham sido as razões históricas, os condicionamentos até compreensíveis que levaram nossos antepassados a conceber a sua fé desta forma, e mesmo nós sendo seus herdeiros, gratos pelo que a herança tem de salutar, mas também condicionados pelo nosso próprio jeito de ser, fruto de nossa herança, somos comissionados, sim, a ser uma comunidade missionária, missionária no sentido de deixar nossa luz brilhar ao nosso redor, para que nossa realidade também se transforme, fique mais clara, mais transparente, enfim que nossa vida seja menos violenta, menos injusta, menos destituída de sentido, mas tenha mais sabor evangélico, seja mais sinal e prenúncio da plenitude dos tempos que nos está reservado em Deus. 

Também nosso país e nossa sociedade necessitam dessa luz. A lembrança daqueles imigrantes nos faz reconhecer também o compromisso que como sociedade temos hoje para com os novos empobrecidos e marginalizados, que, diferentemente de nossos antepassados, já não tem para onde migrar em busca de novas terras e um novo amanhã. Como sociedade, temos o compromisso de criar em nosso próprio meio as condições de vida digna a que aspiram como seres humanos, como criaturas de Deus. 

Hoje, também temos uma incumbência missionária como Igreja de Jesus Cristo. Sob novas condições históricas e sociais, caracterizada por profundas e rápidas transformações, por urbanização acentuada, por migrações intensas, por desemprego e empobrecimento de muitos, por uma crescente pluralidade e competitividade religiosa, por misticismo e procura espiritual de toda ordem, por insegurança e violência muitas vezes mortal, hoje somos fiéis a nossos antepassados, à fé que anelaram preservar para o bem da nova pátria, quando colocamos essa fé à disposição de todo o povo, de qualquer pessoa em nosso país. Hoje, o difundir é a forma concreta de preservar. Só se acende uma luz, para que de fato venha a iluminar. 

Deus nos conceda nos 180 anos de presença da fé evangélica luterana no Brasil, sermos tal luz. Melhor dito: Deus nos conceda crermos na promessa divina de que somos, sim, já somos, por sua promessa, sal da terra e luz do mundo. Amém.
 


Autor(a): Walter Altmann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Nova Friburgo (RJ)
Área: História / Nível: 200 Anos de Presença Luterana no Brasil / Instância Nacional: Presidência
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 13 / Versículo Final: 16
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 21766

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