PALAVRA E CRIAÇÃO

contribuições filosóficas para refletirmos nossa comunidade de fé

19/08/2017

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Com este enunciado a Dra. Taís Silva Pereira, membro da PMLRio, trouxe importante reflexão sobre a PALAVRA sob o ponto de vista da filosofia. Sua palestra faz parte das iniciativas da Paróquia Martin Luther no Rio de Janeiro, alusivas às comemorações dos 500 anos da Reforma.

Apontando a filosofia como um instrumento de busca pela compreensão fundamental da realidade, a Dra. Taís aponta a PALAVRA como parte deste instrumento. Citando o Ev. de João 1.1 - No princípio era a palavra - demonstra que este logos está precedido de um arché, termo grego para designar o fundamento, o princípio.

O fundamento de tudo é que dá sustentação ao logos, palavra, que no pensamento filosófico grego, guarda três aspecto indissociáveis, continuou a filósofa. O primeiro aspecto é o verbo, ou o discurso. É a informação que esclarece o que ainda está encoberto. Outra característica do logos é a racionalidade, ou seja, o discurso tem a ver com a causa das coisas ou a verdade própria das coisas. É isto que João está informando no início do seu Evangelho. Não é a fala sobre as coisas, mas a causa das coisas. Para a filosofia grega, o mundo é racional e os seres humanos participam desta racionalidade. O ser humano compreende o universo participando, como ser racional, da racionalidade do universo. Isto leva a outra característica do logos: descreve uma realidade que não é aleatória. Sendo uma realidade ordenada, é possível falar sobre ela. Nesta filosofia não era importante saber se já se alcançou a verdade, mas sim expressar a verdade. O logos é a expressão da própria verdade.

Como pode a PALAVRA ser colocada em dúvida se ela é expressão da verdade, se perguntariam estes filósofos, segundo a Dra. Taís. E esta pergunta é importante em nossos dias como um contraponto da realidade e das dúvidas que vivemos.

Como, no âmbito da Reforma, se tornam perceptíveis conceitos filosóficos, pergunta-se a palestrante. A Reforma, tal como a Revolução Científica, a nova visão sobre a Natureza e ainda outros eventos dos séc. XV e XVI fazem parte da chamada Revolução Espiritual. A Reforma contribui para a ruptura de conceitos antigos e renova perspectivas que fazem parte da filosofia vigente. Enquanto que na filosofia grega a natureza tem existência eterna, incriada, para a Reforma há o resgate bíblico da criação que acontece no princípio. Assim a natureza torna-se um possível objeto de estudo. Assim surgem as ciências. Consequentemente a pessoa passa a ter uma identidade. Passa a ser uma individualidade. Com isso, na Reforma, a pessoa passa a ser mais que alguém que ocupa uma funcionalidade dentro da sociedade, e passa a ser indivíduo. A relação pessoal com Deus se torna possível a partir dessa mudança de percepção. Mais uma consequência desta nova visão é a valorização da vida ativa, a valorização das ações humanas - navegações, trocas comerciais, produção - mudando a humanidade de uma realidade contemplativa para outra, ativa.

Neste aspecto a PALAVRA se torna central. Ou seja, resgata-se o princípio de que o discurso verdadeiro vem de Deus. Não precisamos produzir a verdade porque ela já está em Deus. Esta verdade quer ser interpretada. E sua interpretação é graça, é dádiva de Deus. Não uma mera livre interpretação. Interpretar esta verdade de Deus depende de uma interpretação de nós conosco mesmos e com Deus.

Estes conceitos não são criados por Martin Luther, segundo a Dra. Taís, mas ele deles se utiliza para fundamentar sua redescoberta. Por exemplo, a questão da interioridade pessoal é um conceito do qual Luther se apropria de Agostinho de Hipona. Sugere que a verdade não seja procurada em outro lugar, e sim, dentro de si mesmo, porque ali foi colocada por Deus. E esta é uma absoluta novidade filosófica para a época. Ou seja, posso passar a compreender a vida a partir de uma perspectiva particular, não pensa e nem elaborada por outros. Esta nova perspectiva leva à possibilidade de uma relação íntima com Deus, de nossa única e exclusiva responsabilidade.

Para os tempos modernos continua válida esta perspectiva de que podemos pensar a partir da primeira pessoa, do eu. A discussão política e ética de nossos dias passa por esta perspectiva, conforme afirma a filósofa Taís. Como seres particulares podem contribuir numa sociedade que busca, ou deve buscar, soluções comuns? A consequência disso é a busca pela verdade. De acordo com a Reforma, a verdade (PALAVRA) não está em mim, mas pode ser alcançada por mim, pela graça permissionária de Deus. A busca pessoal vai acontecer da sinceridade de quem somos. Esta sinceridade levará a consequências transformadoras não apenas no trato cristão, mas em uma grande gama de áreas do conhecimento.

Como articular tudo isso como Comunidade Luterana 500 anos após a Reforma? A Dra. Taís aponta para algumas possibilidades. A PALAVRA é compreendida a partir de uma relação particular com Deus. No entanto, ela não é fruto de uma relação privada. A PALAVRA é compreendida num contexto comum de uso, nos conectando a um espaço comum mesmo com opiniões diferentes. LOGOS supõe mais de uma opinião sobre as coisas. LOGOS é o que efetivamente nos une, afirma a Dra. Nos espaços comuns somos desafiados a tomar iniciativas em comum para alcançar objetivos em comum. Não é a soma de interesses pessoais, mas sim, conviver com diferenças que levam à conexão de sentidos visando soluções em comum. A PALAVRA cria lações de pertencimento, unindo e reafirmando a unidade de pessoas particulares e diferentes. Por isso a PALAVRA transforma e CRIA. Como pessoas diferentes nossas palavras podem criar coisas novas.

Estes conceitos ultrapassaram a Reforma e o universo cristão, diz a Dra. Taís. Em todos os lugares e contextos ouvimos falar do indivíduo, inclusive com uma supervalorização do mesmo. Surge o individualismo. E esta pode ser uma consequência negativa na construção deste conceito. Mas, como pensamos que a PALAVRA é criadora de novas conexões, ela também transforma os espaços de interação.

Falar sobre a PALAVRA criadora não é só demonstrar algo constituído, mas é mostrar que continua dinâmica, não solitária. Ela sempre será comunitária, querendo ou não, conclui a palestrante.

Dra. Taís Silva Pereira é doutora em filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É professora de filosofia do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ). Atua no ensino médio integrado e no Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino (PPFEN) na mesma instituição. Tem experiência nas áreas de ética, filosofia política, ensino de filosofia e produção de material didático. Sua palestra foi apresentada na Paróquia Martin Luther no último sábado, dia 19 de agosto de 2017.

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